TRÊS MIL PROCESSOS DE EXCESSO DE PRISÃO PREVENTIVA

Angola tem quase 3.000 processos de excesso de prisão preventiva e 6.000 sem certidões para liquidação da pena, “um assunto sério”, admitiu hoje a Comissão Ad-Hoc que analisa estes casos e cuja acção visa reduzi-los.

O secretário da Comissão Ad-Hoc para Análise do Excesso de Prisão Preventiva, Alves Renné, afirma: “Sim, de facto é um assunto sério. Exactamente em razão disso esta comissão foi criada, é porque se apercebeu da existência de um fenómeno de excesso de prisão preventiva a nível do país e uma das formas de mitigá-la é exactamente a criação de um grupo de trabalho”.

Criada em Dezembro de 2020, a Comissão presidia pelo juiz conselheiro presidente da Câmara Criminal do Tribunal Supremo, Daniel Modesto Geraldes, fez hoje um balanço dos trabalhos referentes ao ano de 2023 e apresentou a definição da estratégia de trabalho para 2024.

Em declarações aos jornalistas, no final do encontro que decorreu em Luanda, Alves Renné explicou que a comissão trata tecnicamente os dados, apresentados pelo serviço penitenciário, e de acordo com a natureza ou fase em que se encontram depura caso a caso.

As acções desenvolvidas pela comissão têm concorrido para a redução dos números apresentados, adiantou, embora sem detalhar, resultado das visitas que cada membro da comissão efectua aos serviços penitenciários.

“Porque os arguidos afirmam estar em excesso de prisão preventiva, ou por alguma outra razão sentem-se em excesso de prisão preventiva, mas tecnicamente vamos verificando que às vezes se trata de outros casos, são arguidos sobre quem pendem diversos processos”, justificou.

Questionado sobre os resultados do trabalho que a comissão desenvolve desde 2020, o responsável deu nota que a nível do serviço penitenciário angolano já não existem casos de arguidos privados de liberdades depois do cumprimento da pena.

“Estes casos podemos com alguma segurança dizer que já não existem”, assegurou.

Sobre os casos especificamente de excesso de prisão preventiva “podemos dizer que o balanço é extremamente positivo, não só pela existência da comissão, que faz esse trabalho técnico de depurar os dados, mas também pelo impacto que isto causa nos próprios reclusos”, concluiu Alves Renné.

O secretário da Comissão Ad-Hoc referiu que esta trabalha visando travar o excesso de prisão preventiva no país, “uma distorção do sistema”, situações que acontecem “quando por alguma razão, e essas são variadas, os arguidos que deviam permanecer dentro do limite que a lei estabelece acabam por ficar mais tempo”.

Os dados são trazidos à comissão pelo serviço penitenciário, que é o organismo que detém os arguidos em seu poder para o cumprimento de medidas cautelares, dados “depois tratados tecnicamente pela comissão que de acordo à natureza ou fase em que o processo se encontra verifica caso a caso para depurar”, explicou.

A comissão integra representantes da Procuradoria-Geral da República, a Ordem dos Advogados de Angola, o Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos, a Provedoria de Justiça e dos Serviços Penitenciários.

BOA LEGISLAÇÃO, MÁ EXECUÇÃO

O Centro de Direitos Humanos e Cidadania (CDHC) da Universidade Católica de Angola considerou no dia 28 de Junho de 2022 que o país continuava a enfrentar “desafios na execução das penas e excesso de prisão preventiva”, apesar de possuir legislação penal “muito avançada”.

“Dentro desta reforma [do Direito] está a questão relacionada com o sistema penitenciário e acima de tudo a execução das penas, temos uma legislação muito avançada, mas continua a enfrentar desafios no capítulo da sua execução”, afirmou o director do CDHC, Wilson de Almeida João, na abertura da Conferência Nacional sobre a Reforma de Justiça, Sistema Penitenciário e Direitos Humanos.

Angola “continua a enfrentar muitos desafios, com ainda muitas situações de excesso de prisão preventiva, com também situações que resultam numa dificuldade de melhorar a eficiência no capítulo da execução das penas”, disse.

“É neste sentido que nós acreditamos que mais do que ser uma entidade que critica, nós só queremos fazer parte do processo da solução”, salientou.

Para o director do CDHC, a iniciativa visava ser um contributo da sociedade civil à Estratégia Nacional dos Direitos Humanos (ENDH).

“Nós a nível legislativo assistimos a uma grande reforma da legislação penal, com a aprovação do Código Penal e do Código de Processo Penal e estão em aprovação outras legislações subsidiárias. Esta legislação tem um impacto muito forte na garantia dos direitos dos cidadãos”, realçou.

“Foram reforçados mecanismos de protecção dos direitos dos cidadãos e consequentemente para permitir que Angola esteja nos marcos internacionais da dignidade da pessoa humana”, frisou.

Wilson de Almeida João recordou que a reforma da justiça angolana também compreende o sistema penitenciário, sobretudo no domínio da execução das penas: “Temos uma legislação muito avançada, mas continua a enfrentar desafios no capítulo da sua execução”.

Por isso, justificou o responsável, “o CDHC decidiu também dar o seu contributo académico” para promover o debate sobre este tema da execução das penas e se ver como “tornar mais efectivo este processo respeitando os direitos humanos dos reclusos”.

Por sua vez a reitora da Universidade Católica de Angola, Maria da Assunção, disse, na sua intervenção, que a realização da conferência “concretiza uma das componentes matriciais da missão da universidade, que é de actuar solidária e efectivamente para o desenvolvimento integral da pessoa”.

Os direitos fundamentais dos reclusos ou das pessoas em conflito com a lei “constituem uma parte essencial da dignidade humana e que a Universidade Católica é chamada a defender na sua relação com o meio social que faz parte”, referiu Maria da Assunção.

Já o então ministro da Justiça e dos Direitos Humanos, Francisco Queirós, considerou que a conferência converge com dois objectivos do executivo angolano, nomeadamente a Estratégia Nacional dos Direitos Humanos (ENDH), aprovada em 2019, e a reforma da Justiça e do Direito.

A ENDH “visa fundamentalmente garantir o acesso das pessoas aos seus direitos políticos, civis, sociais, culturais e da dignidade pessoal”. Para que estes direitos sejam concretizados “é necessário que o cidadão tenha consciência deles”, sustentou.

“É por isso que um dos eixos fundamentais da ENDH é a formação e capacitação em direitos humanos. Nesta perspectiva o Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos estabeleceu protocolos com 15 universidades”, destacou Francisco Queirós.

Difundir o conhecimento específico, técnico, científico sobre os direitos aos estudantes universitários estão entre os propósitos dos protocolos, cuja iniciativa será também extensiva às instituições do ensino médio e de base.

“É por isso mesmo que o executivo está a trabalhar com o Ministério da Educação no sentido de a disciplina de Direitos Humanos ser ensinada logo na formação básica. Portanto, estamos em presença aqui de uma concretização da Estratégia Nacional dos Direitos Humanos”, rematou o governante angolano.

Folha 8 com Lusa

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